Dois anos após o início da ocupação irregular na região do Contorno Leste, em Cuiabá, continua o imbróglio jurídico entre os proprietários e invasores. A ocupação, que começou de forma tímida em outubro de 2022, passou a crescer e chamar a atenção no final de janeiro de 2023 e, hoje, a estimativa é que cerca de três mil famílias vivam na região, sob o risco de serem retiradas a qualquer momento, pois já há decisões para reintegração de posse.
Do total de quatro áreas ocupadas, apenas em uma, de propriedade da Ávida Construtora, teve reintegração de posse em março deste ano e os moradores foram despejados. O local ficou conhecido como comunidade Brasil 21.
Proprietários das outras três áreas, sendo uma da família do João Pinto, uma da família Itacarambim e outra da Imobiliária Iguaçu, ainda lutam para conseguir a reintegração de posse. Mesmo com liminares deferidas em favor dos proprietários, não existe data definida para o cumprimento das medidas.
Os processos estão na Comissão de Soluções Fundiárias do Poder Judiciário de Mato Grosso. Desde o início da ocupação, a região foi palco de conflitos de terra e de ações policiais. Após a Prefeitura de Cuiabá começar a obra de pavimentação asfáltica do Contorno Leste, que vai desde o Distrito Industrial até a estrada de Chapada dos Guimarães (MT-251), as pessoas começaram a ocupar as áreas, erguendo barracas de lona e madeira. Mas, com o passar dos meses, a ocupação irregular foi aumentando rapidamente e hoje há até casas de alvenaria.
De acordo com os próprios moradores, mais de 3 mil famílias vivem nas comunidades denominadas Lula Brasil 1, Lula Brasil 2, Flor do Leste, Santa Luzia, Vila Militar e Pipoca. Porém, não existe um levantamento oficial atualizado do número de famílias e de comunidades criadas nessas áreas.
Primeira ocupação
A primeira ocupação, que ficou conhecida como Brasil 21, iniciou em outubro de 2022, na área de propriedade da empresa Ávida Construtora. Com a reintegração de posse, cerca de 900 famílias, entre brasileiros e estrangeiros, foram despejadas. A ação resultou em confronto entre policiais militares e os moradores.
A reintegração foi determinada no dia 10 de março deste ano, com a decisão da juíza Adriana SantAnna Coningham, da 2ª Vara Cível de Cuiabá. A desocupação teve início no dia 11 de março, pela manhã, ocasião que os moradores protestaram pelo direito de moradia. Dezenas de viaturas da Polícia Militar foram acionadas para a desocupação da área, além do Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer) e policiais do Setor de Operações Especiais (SOE), e foram utilizadas balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas.
Na decisão, a orientação era que fosse realizado o transporte das famílias com seus bens, mas há relatos dos próprios moradores que as casas foram demolidas e não houve tempo hábil para a retirada dos pertences.
Abrigos provisórios
Depois da reintegração de posse, parte das famílias ficou abrigada, por um período de sete meses, no Centro Comunitário do bairro Jardim Fortaleza e na quadra de esportes do bairro Osmar Cabral.
Segundo a líder comunitária Débora Brasil, as famílias do Brasil 21 que viviam provisoriamente no Centro Comunitário e na quadra de esportes desocuparam os espaços há cerca de 40 dias. Não tinha como viver ali, sem estrutura e em meio às fezes de pombo. Parte dessas famílias foi morar de favor. Alguns resolveram dividir o aluguel e moram mais de um núcleo familiar em um único imóvel e outros foram acolhidos em áreas de ocupação.
A venezuelana Mari Bvergara, 28, seu marido e as duas filhas do casal fazem parte das famílias despejadas em março e que, agora, voltaram ao Contorno Leste e moram na comunidade Lula Brasil 1. Após serem retirados do Brasil 21, viveram no Centro Comunitário do bairro Jardim Fortaleza. Cerca de 15 famílias que estavam no centro comunitário vieram morar aqui, confirma.
Ressalta que em uma semana conseguiu erguer a sua casa para morar. Gastamos R$ 5 mil e espero não ser despejada de novo. É triste investir e depois perder tudo.
Despejo em discussão
Segundo o juiz auxiliar da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Eduardo Calmon, a comissão não acompanhou a situação das famílias despejadas do Brasil 21. A comissão foi instituída após a decisão de reintegração de posse. Hoje, existem três processos em tramitação, referente às outras áreas que continuam com ocupação irregular, essas áreas com liminares deferidas estão submetidas à comissão para cumprimento.
Ele explica que a comissão deliberou, na última semana, por aguardar a conclusão dos trabalhos da equipe da Assistência Social do Estado que, nos próximos 60 dias, deve apresentar a identificação das famílias vulneráveis que vivem nessas áreas.
O intuito é promover a dignidade através da realocação dessas famílias, para então realizar o cumprimento da ordem, em obediência à Resolução 510 do Conselho Nacional de Justiça.
Fonte: gazetadigital